16 de mar. de 2009

O Sagrado e o Profano

Antes de adentra no desenvolvimento do assunto, convém descobrir a definição destas duas palavras. As definições abaixo foram retiradas do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.

sagrado - s.m. (do lat. sacratus, part. pas. do v. sacrare, "consagrar".)1. O que é do domínio religioso. (...) 2. Local vedado a profanações. (...)

sagrado - adj. (do lat. sacratus, part. pas. do v. sacrare, "consagrar".)1. Que é relativo a um domínio interdito, inviolável e que suscita a veneração por oposição a profano; que se refere à divindade ou ao seu culto. (...) 2. Que foi objecto de consagração. (...) 3. Diz-se dos sentimentos inspirados pelo que pertence ao domínio do religioso ou do divino. 4. Que inspira ou deve inspirar profundo respeito, veneração absoluta. (...) 5. Que não pode ser infringido ou violado. (...) 6. Que não se pode mexer ou tocar. (...) 7. Que não se pode deixar de cumprir ou respeitar.(...)

profano - s. (do lat. profanus.) 1. Pessoa que não pertence à classe eclesiástica ou que é estranha às coisas da religião. (...)2. Pessoa que não pertence a determinada seita, classe, associação... (...)3. Pessoa não iniciada nos conhecimentos de uma arte, ciência... (...)

profano - adj. (do lat. profanus.) 1. Rel. Que é estranho às coisas sagradas; que não pertence à religião. (...)2. Que é contrário ao respeito que é devido à religião, às coisas sagradas. (...)

Numa primeira análise podemos fazer notar que, enquanto o sagrado se define como associado à religião, ao divino, ao respeito e veneração, o profano define-se em relação ao sagrado, mais especificamente como oposto ao sagrado. Temos portanto uma dicotomia sagrado vs. profano. Mas o que são o sagrado e o profano?

O sagrado está relacionado com o divino: um objeto sagrado não é um objeto divino, mas um objeto que permite a ligação com o divino. Estando associado à divindade, reflete os sentimentos que a própria divindade evoca: terror e fascínio. A divindade a que o sagrado permite uma ligação é uma força que tanto vence e ajuda a vencer como fracassa e faz fracassar; é um poder que não se pode definir, que está em todo o lado, mas que não se pode localizar em lado nenhum. Esta força sobrenatural e incontrolável, quanto muito aplacado e propiciado através de sacrifícios, é, ao fim e ao cabo, o desconhecido, pois apenas se sabe que é poderosa para além da imaginação. É esse desconhecido que atrai e repulsa que fascina e aterroriza: porque o seu poder é tão desejado como temido, os seus favores tão ambicionados como a sua fúria é indesejada.
Ao apresentar e qualificar o sagrado, um dos mais lúcidos estudiosos das Religiões Comparadas no século XX, o Romeno Mircea Eliade, constrói uma ponte interpretativa entre a natureza transcendente da religião e sua materialidade. A manifestação do sagrado contribui para uma nova semântica de relações que podemos caracterizar como:
  • O homem religioso imprime ao mundo sensível uma descontinuidade, que reclassifica qualitativamente os objetos.
  • Ao sacralizar o mundo, o homem religioso atribui a significação plena de um espaço sagrado em oposição a todo o resto, como sendo sem forma e sentido.
Ao delimitar conceitualmente o sagrado, ELIADE, busca uma estrutura e uma morfologia baseadas em uma gama diversificada de sacralidades ou fatos sagrados.

A diversidade de modalidades do sagrado relativiza bastante o conceito de hierofania. Este conceito só é delimitado pelo fato de toda e qualquer hierofania ser histórica. Muito embora separadas pelo contexto único de cada momento da história, as hierofanias possuem escalas de abrangência.

Nunca será demais insistir no paradoxo que constitui toda hierofania, até a mais elementar.
Manifestando o sagrado, um objeto qualquer se torna outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata transmuda se numa realidade sobrenatural. Em outras palavras, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania.

O profano é um assunto mais complicado. É preciso dizer, desde já, que o mundo profano na sua totalidade, o Cosmos totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente na história do espírito humano. O homem moderno dessacralizou seu mundo e assumiu uma existência profana, por essa razão, sente uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais de sua religiosidade que era característica nas sociedades arcaicas.

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